Como Bowie e Netflix mostram que o ativismo mudou

Lucas Pretti
3 min readJul 28, 2018

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Pode parecer senso comum ou demagogia, mas não é: há um vácuo (abismo?) entre o que as pessoas comuns querem e o que as ONGs, os políticos e a imprensa colocam como assuntos do dia.

Boa parte do cotidiano da equipe do site Change.org se passa assim, comprovando que as grandes mensagens estão longe de apaixonar minha mãe, o tiozinho do hortifruti, a senhora funcionária pública ou o jovem grudado no celular. Todos eles são pessoas que, todos os dias, nós buscamos empoderar, para que mudem o que quiserem mudar, seja o que for.

Este janeiro de 2016 é um bom exemplo. Ouve-se por todos os lados o bombardeio zika-tarifazero-chuva-dengue-crise-juros, mas o zunzunzum vem passando longe disso. Sem menosprezo por qualquer um desses temas, que de fato impactam na vida de todo mundo, o ponto é que a conversa de bar se espelha nos abaixo-assinados criados na plataforma. Do alto de mais de 130 milhões de usuários no mundo todo, dá pra dizer sem modéstia que a Change.org captura um pouco dessa conversa global.

E sabe quais foram alguns dos assuntos deste janeiro? David Bowie, Motorhead, Netflix e BBB16.

(Antes de abraçar seu primeiro pensamento sobre futilidade, ouça as histórias) ;)

O gênio Bowie morreu. Meu luto pessoal dura até hoje, mas isso não interessa.

O que interessa é que desde então houve dezenas de abaixo-assinados com os mais diversos pedidos: mudar o nome de Marte para planeta Bowie, que Deus revogasse a morte do cantor e até que nós mesmos mudássemos a URL change.org por ch-ch-ch-ch-change.org (que alegre e obviamente acatamos).

Ian Kilmister morreu também. É o Lemmy, líder do Motorhead. E seguiu-se a chuva de petições, a mais icônica na Inglaterra, pedindo que “Lemmium” se tornasse o nome oficial do elemento Heavy Metal 115 na tabela periódica.

Steven Avery está preso. Ele é o protagonista da série documental Making a Murderer, último lançamento da Netflix, o novo mainstream da indústria pop. Sua história comove. Depois de cumprir injustamente 18 anos de pena por violência sexual, foi libertado em 2005. Dois anos depois, voltou para a cadeia com uma acusação (ao que parece injusta também) de assassinato. Dois erros da justiça americana mantêm este homem na cadeia. Adivinhe? Um abaixo-assinado com quase meio milhão de apoiadores pedindo sua liberdade foi respondido pelo presidente Obama (isso não é pouca coisa).

No Brasil, o BBB16 estreou. Junto de todo o bafafá inflado que isso normalmente gera, surgiu a história de que a TV Globo, ao colocar um boneco black power para lavar a louça, induzia ao racismo. A petição, criada há poucos dias por uma brasiliense, pede retratação pública da emissora e vem gerando discussão.

Para além dessas histórias em particular, o que fica como provocação é o fato de que ouvir a “voz das ruas” ou “a voz das redes” exige mudar a frequência. Isso vale para a lógica da construção de políticas pelo poder público, para o desenvolvimento de produtos pelo mercado e para o advocacy do terceiro setor.

Bowie, Lemmy, Steven Avery e o boneco do BBB16 são ícones das lutas por justiça criminal, por resistência na música e contra o racismo.

Outras maneiras de disputar narrativa. Outros modos de construir o novo mundo que, sim, é possível.

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Lucas Pretti

Brazilian journalist, artist and researcher working in the intersections of digital culture, activism and contemporary arts. http://pretti-et.al