A pergunta dos gringos resume a São Paulo fechada-privada-controlada de sempre
— Mas não tem nenhum parque, nenhum lugar aberto por aqui pra ver o jogo?
— Hmm… Não.
O grupo de gringos tinha um inglês, um escocês e uma australiana, se aventurando no primeiro almoço deles em São Paulo, uma ou duas horas antes da estreia Brasil e Croácia, semana passada. Depois do arroz-feijão-fritas-bife num bar-padoca de esquina da Augusta, cruzaram comigo. (E rolando aquele caos de gente-verde-buzina-amarela-unhas-azul-e-gritos-bandeira).
— Onde tem um lugar por aqui para vermos o jogo?
— Vai subindo em direção à Paulista, tem vários bares com TV. Ali atrás, na Haddock Lobo, tem um hostel todo enfeitado, deve ter estrangeiros ou gente que fala inglês. Pode ser legal.
Aí veio a frase lá de cima. É, não há espaços públicos por aqui…
Então piraram com a cachorra que eu levava na coleira, tiraram fotos e saíram animadíssimos em busca de uma TV aberta-pública-livre — só para contrapor o título deste post.
São Paulo é assim. Tudo paga. Por ali poderia ter o vão do Masp, o Trianon, talvez a Praça do Ciclista, o Parque Augusta, a Roosevelt mais pra baixo, além de tooodo o Minhocão. Mas não tem. Espaço de convivência que presta em São Paulo tem teto, dono e taxa de permanência (nem que seja só um cafezinho) (nem que seja o Sesc, que, embora incrível, tem dono também) (Fifa Fan Fest não vale por motivos de fifa go home).
Detesto babação com gringos e comparações fora de contexto com realidades outras. A pergunta não fica mais importante só porque veio de bocas estrangeiras cheias de razão. Mas, inegalvemente, uma das formas de olharmos para nós como gente-vivendo-na-pólis-caótica é a alteridade. E se eles fizeram esta pergunta é porque esperavam uma outra resposta, diferente da que eu dei.
A questão do direito à cidade está se espalhando. Muita coisa mudou desde 2011, quando nos sentíamos falando nisso um pouco sozinhos. (Resumindo muitíssimo com coisas de maior abrangência:) Em 2012 houve um boom de ocupações artísticas reivindicando o espaço público paulistano. Em 2013, o Passe Livre conseguiu aquela vitória histórica (que está fazendo 1 ano e muito coxinha ainda acha que foi só despertador de gigante). Em 2014, vimos o maior carnaval de rua da história (dezenas de blocos!) e os metroviários não conseguindo dobrar o Governo do Estado (demitir ou ameaçar trabalhadores de demissão, sr. Alckmin, é de uma crueldade inaceitável!) mas mostrando que têm a cidade na mão.
Falo de São Paulo, mas obviamente a questão é geral — que o diga neste exato instante os resistentes do cais Estelita, no Recife.
O que é comum em todos os casos? O público tentando se defender da ameaça privada. Mas o que é a ameaça privada? Quem são os donos da iniciativa privada? O que comem? O que pensam? Onde vivem?
Ah, é verdade, esqueci o Parque do Ibirapuera…