A cultura no Brasil profundo, ou Há cultura no Brasil profundo
Aqui no raso tudo parece progredir. No centro expandido de São Paulo a internet explode as possibilidades e surgem mais e mais bandas, cineastas, escritores, peças, fashionistas, gays, crowdfunding, happenings, coletivos, HQs e aplicativos — que cegam. Fazem o nicho parecer o todo.
Isso vale para mim, claro.
Semana passada me vi sentado num bar da Vila Mariana após uma mostra de curtas-metragens (um deles comigo no elenco, veja só. corta. minha mãe falando: “este é mais um dos filmes que você faz e a gente não vai ver?”) da Cinemateca Brasileira (maravilhosa mas sempre distaaante). Conversávamos sobre cultura e arte (um dos amigos, espanhol, mestre em performance, foi parceiro de produção num festival lindo que organizamos… — quanto nicho numa frase só), e no meio do português vira-lata ouvia-se umas palavras mal pronunciadas, Abramovic, Barney, Newman, Shilling, Duchamp, Boltanski, Oiticica, e umas que até falamos bem, Tunga, Varejão, Rio Branco. Dali voltamos ao Centro, bêbados, falando animadamente sobre como fazer diferença. “Só produzir o que for retumbar.”
Acordo no outro dia e vejo os números preliminares da pesquisa Públicos de Cultura, que o Sesc SP e a Fundação Perseu Abramo divulgam nesta quarta, 9. Eles entrevistaram entre agosto e setembro do ano passado 2.400 pessoas de 139 municípios do Brasil — não é o Ipea, dá pra confiar :P
Os principais gráficos (olhe com calma):
O Brasil profundo inunda, afoga, desnorteia, sufoca, estoura a bolha de quem vive no centrinho descolado de São Paulo.
(des.co.la.do)
1. Que se descolou
3. Gír. Diz-se de quem que se veste e se comporta de uma maneira moderna.
Fui catar na estante o livro Cultura em Números, editado pelo MinC em 2010 (que está inteiro, em pdf, neste link).
Toma:
Como me disse a cineasta Laís Bodanzy numa entrevista há alguns anos, para haver o popular há de existir vanguarda, “maluquetes”, gente empurrando a parede. Os teóricos da ~economia criativa~ argumentariam dizendo que tudo faz parte da cadeia de produção, e que educação e acesso são as chaves para um futuro melhor. Educação que, aliás, é pífia até mesmo entre os da elite brasileira (o senso comum no Brasil não escolhe classe social, né, fãs de Romero Britto?).
Repito então a pergunta do meu post anterior: estamos por quem? As obras retumbantes que se deve fazer retumbam em quem, para quê?
É por isso que:
• o post novelas x leitura do jornalista Gabriel Brust (e depois a réplica da antropóloga Lígia Krás) foi o mais debatido desde a estreia do Brasil Post
• nos choca a notícia de que um dos garotos por trás dos rolezinhos foi morto num baile funk (não é porque ele “ascendeu” e virou notícia que sua realidade não se impõe)
• é genial a ideia dos Parques Infantis, que Mário de Andrade implantou em São Paulo quando foi Secretário de Cultura, unindo teatro e piscina (e que depois inspirou a maravilha que são os Sescs por aqui)
• digo e repito que poucas vezes a cultura brasileira, com essas contradições todas, foi discutida tão pluralmente quanto no projeto Produção Cultural no Brasil (sim, fiz parte, me orgulho, e ainda falarei disso aqui)
• preciso admitir contrariado que pode estar certa uma frase elitista que ouvi numa coxia outro dia, e que nunca me desceu:
“Teatro nunca será popular no Brasil. Popular é o Corinthians”